Il meglio del 2011 – Gonçalo Tocha

Tive a sorte de ver este filme em película numa projecção rara programada por Ricardo Matos Cabo em Lisboa. É verdade que funciono como um íman com filmes longos, mas é também porque, normalmente, são os filmes longos que me proporcionam algumas das mais inesquecíveis viagens. Ogawa é um cineasta misterioso e único. Os seus filmes são asteróides humanos sem igual. Odisseias de resistência, onde as pessoas são o que mais conta. Ogawa passou anos nesta Japanese Village. Não há palavras para descrever a beleza, a humildade e a força deste filme que se senta lado a lado com os poucos habitantes desta vila quase abandonada entre as montanhas japonesas. Depois de um genérico fabuloso, passamos uma hora inteira com um tratado cientifico sobre a produção de arroz, analisando o crescimento dos bagos de arroz naquela região. Mas “vemos” mesmo o arroz e como é tão belo ver o arroz a crescer! Só mais tarde voltamos aos habitantes, mas esta aparente divisão não o é, porque mais tarde organizamos as peças: a natureza e o Homem, a região e a economia, a vontade humana e a sobrevivência. E tudo filmado com uma entrega e um amor pelas coisas que nos fazem acreditar que o cinema só foi feito para ter fé no valor humano.

A construção diária de um arquivo íntimo que é também a re-criação cinematográfica de uma vida. Perlov filmou a sua vida, o seu quotidiano, durante 10 anos e construiu um diário filmado onde tudo cabe e onde tudo é possível. É cinema como poesia ou o cinema como a arte mais intuitiva do mundo.
Descobri este filme através do meu amigo Rui Ribeiro, que me ajudou na montagem do meu último filme sobre a Ilha do Corvo, quando estávamos em início de trabalho. E disse-me: “este é um filme de uma vida, desfruta-o com tempo.”
Logo no primeiro capítulo há uma situação que ficará para sempre comigo. O plano mostra as duas filhas de Perlov a comer uma sopa. Elas chamam-no para deixar de filmar e vir comer também a sopa. Perlov confidencia-nos através da sua voz profunda: “I don´t konw if I should eat the soop or film the soop”. É isto! É isto!

Devo confessare che questo è il primo film di Apichatpong che vedo. E posso solo ringraziare la meraviglia di questa rivelazione, subito con un film come Uncle Boonme. Da molto tempo non vedevo nel cinema contemporaneo un film con dei piani così estesi intorno ai suoi personaggi. Perché ogni secondo conta. Ogni secondo nel piano e ogni gesto dentro il piano. Sono le notti nella casa della foresta, sono i morti in mezzo ai vivi e i vivi in mezzo ai morti. È la forma come tutti i mondi paralleli convivono, senza effetti, senza trucchi. E poi, come un’immensa onda lenta di mistero, la sequenza finale nella stanza di hotel, così enigmatica che ci può solo dire che tutto quello che abbiamo visto fin lì è solo una piccola parte delle altre più grandi, un passaggio o un rituale libero di significato. Tra la morte e la resurrezione, l’eternità della vita e del cinema come fede incrollabile nel mistero della vita.

Tenho de confessar que este é o primeiro filme do Apichatpong que vejo. E só tenho a agradecer a maravilha desta revelação, logo com um filme como Uncle Boonmee. Há muito tempo que não via, no cinema contemporâneo, um filme com planos tão distendidos à volta das suas personagens. Porque cada segundo conta. Cada segundo no plano e cada gesto dentro do plano. São as noites na casa da floresta, são os mortos no meio dos vivos e os vivos no meio dos mortos. É a forma como todos os mundos paralelos convivem, sem efeitos, sem “trucage”. E depois, como uma imensa onda lenta de mistério, a sequencia final no quarto do hotel, de tão enigmática que só nos pode dizer que tudo o que vimos até ali é só uma pequena parte de outras maiores, uma passagem, ou um ritual liberto de sentido. Entre a morte e a ressurreição, a eternidade da vida e do cinema como fé inabalável no mistério da vida.

Isto pode não ser um filme e ainda bem. A mim parece-me uma manifestação de existência humana de uma importância vital no cinema de hoje. Pela primeira vez vemos e esperamos que o realizado, na impossibilidade de filmar, possa começar o seu filme e isso já é matéria suficiente, não para um filme, mas para a vida de um filme. Quando o vi em Copenhagen, tive a sensação que estava perante um acontecimento radical e irrepetível, como tudo o que é urgente. Não é particularmente interessante saber o que pode ser a matéria de um filme, ou o que faz um filme ser um filme, mas é completamente maravilhoso assistir à maneira como o cinema entra pela casa de Jafar Panahi adentro na sequencia final. Quando o quotidiano da casa de Jafar Panahi se fecha e chega a um impasse de acontecimentos, diríamos cinematográficos, eis que o seu cameraman abandona o set e chega um recolhedor de lixo a sua casa. E é a partir desse momento, em que alguém de fora, alguém do “mundo real”, entra no set, que um novo filme e ficção podem acontecer. No plano final, Jafar fica no limite da sua prisão que o separa do mundo, a assistir ao cinema verdadeiro, à realidade incontrolável. Se Maomé não vai até à Montanha, a Montanha vai até Maomé.

Um filme sobre uma rapariga que nasceu no Japão, filha de pai japonês, de mãe belga e que foi parar a Portugal com os pais, quando ainda era criança.
É a estreia luminosa de Aya no cinema e que é também a inscrição da sua própria pessoa como persona cinematográfica. É como se só o cinema permitisse a inscrição de uma pessoa pela espaço., na indagação do lugar a que pertence. E é esta deriva geográfica que faz o filme, a viagem mental pelo mundo e entre continentes, à procura do que está para lá das montanhas, do que está dentro das nossas memorias. Mas tudo isto feito delicadamente, com uma subtileza e uma beleza tocante, de quem está prestes a chorar mas no limite se contém. Todas as primeiras obras deveriam ser assim…